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Análise do papel estratégico das áreas de Tecnologia da Informação (TI):

Este é o primeiro artigo de uma série em que analisaremos os principais motivos que fazem empresas fracassarem em suas iniciativas de Transformação Digital. Começo por um olhar sobre o papel e a relevância estratégica que uma área de TI pode ter em seu contexto empresarial.

Historicamente, o papel da TI nas organizações avançou de uma área que sustentava as operações da empresa para um dos maiores focos de investimento e um potencial ativo para alavancagem de negócios. Hoje, porém, ainda é possível ver diferentes tipos de abordagens estratégicas para o tema coexistindo no mercado.

Quando uma área de TI atua principalmente para manter os processos de negócio funcionando, gerando eficiência, padronização e estabilidade, a classificamos como uma TI responsiva. Sua missão é sustentar os processos e reagir a solicitações das áreas corporativas.

Evoluindo para uma TI que possui uma liderança mais ativa e se engaja com as demais áreas de negócio, pensando soluções em conjunto para gerar crescimento e melhoria das operações, temos uma TI engajadora. Nesse papel, lideranças da TI e de outras áreas possuem um senso comum de que a área serve à estratégia da organização e é possível contar com os serviços tecnológicos para, continuamente, melhorar a empresa.

O último estágio acontece quando a TI atua como uma área impulsionadora da estratégia da empresa.  Isto é, o papel da TI é visto como central para a concepção e a execução da estratégia, que considera canais e produtos digitais como centro da captura e geração de valor. Nesse caso, temos uma TI direcionadora. A liderança de TI não apenas se engaja, mas é respeitada e vista como fonte importante de visão de mercado, clientes e produtos.

Muitos perguntam o porquê de uma empresa ter uma TI responsiva quando grande parte do mundo fala sobre temas como Transformação Digital e a 4ª Revolução Industrial, por exemplo. Há algumas características de organizações que possuem áreas de TI responsivas. Cito algumas:

  • Setor / Indústria: determinados setores produtivos operam com margens estreitas e possuem processos produtivos focados em produtos de base, que carregam pouca ou nenhuma tecnologia embarcada. Nesses casos, as competências tecnológicas não influenciam diretamente no produto, ficando mais restritas ao ambiente de monitoramento de processos produtivos, gestão do desempenho e na gestão do ambiente administrativo-financeiro. Em empresas como essas, o ERP e os sistemas de produção são o grande foco de investimento e tempo das áreas de TI.
  • Posicionamento hierárquico da TI: organizações que possuem uma área de TI responsiva têm, em geral, lideranças de TI na camada de gerência média. Isso significa que não há um cargo executivo para a pasta tecnológica. Gerentes de TI respondem a executivos financeiros, administrativos ou de serviços internos. Esse posicionamento hierárquico gera uma pressão para que a TI seja eficiente em custos e execute seu papel designado por um corpo diretivo, sem que influencie ou participe do processo de concepção da estratégia.
  • Perfil da liderança de TI: outra característica comum às organizações que possuem áreas de TI responsivas é o perfil da liderança. São profissionais que cresceram na carreira técnica até um nível gerencial, às vezes pelo tempo de casa e pelo conhecimento dos processos internos, mas não pela aptidão de gestão e conhecimento das ferramentas de estratégia, governança etc. Nesses casos, o próprio perfil do gestor influencia para a manutenção da mentalidade responsiva e de suporte da área.

Sendo assim, é possível estabelecer uma relação entre falhas de iniciativas de Transformação Digital com o papel estratégico da TI. Porém, antes de avançarmos, é importante realizar um alinhamento sobre o que chamo de Transformação Digital.

Por não ser um termo com definição única, utilizo a forma como o Gartner Group® trata o tema, por ser uma referência reconhecida internacionalmente no contexto de TI:

“A Transformação Digital pode ser entendida como um tipo de jornada digital que tem a ambição de buscar novos fluxos de receita, produtos/serviços e modelos de negócios. É buscada por empresas que precisam se adaptar a uma indústria em ruptura ou por aquelas que querem inovar em seus mercados.”¹

Se a Transformação Digital é uma jornada empresarial em busca de novos fluxos de receita, novos produtos e serviços e novos modelos de negócio, fica fácil de relacionar o tipo de posicionamento estratégico da TI com a probabilidade de sucesso dessa jornada. Empresas que possuem áreas de TI responsivas são as mais propensas a ter falhas durante iniciativas de transformação. Na outra ponta, empresas que já possuem uma TI direcionadora conseguem capturar valor dessas iniciativas com maior agilidade e alinhamento com a estratégia do negócio.

Líderes de áreas de TI responsivas estão muito distantes da cúpula estratégica da empresa. Dessa forma, não participam das discussões sobre como o negócio irá se transformar digitalmente. Em muitos casos, essas discussões são feitas por executivos não técnicos com apoio de consultorias externas, gerando uma estratégia de transformação que a liderança de TI terá que apoiar na execução.

Quando o cenário acima descrito acontece, são vistas algumas possíveis consequências:

Estruturas organizacionais complementares acabam sendo criadas para conduzir o tema, mantendo a TI responsiva afastada. São áreas que ganham nomes como “Transformação Digital”, “Digital Business”, “Tecnologias Digitais”, dentre outras.
Em geral, essas estruturas ganham maior poder decisório e participação nas pautas estratégicas. É pouco comum ver um ambiente colaborativo entre essa nova estrutura e a TI, aumentando o risco de rupturas políticas, desalinhamento tecnológico e, em alguns casos mais extremos, sabotagem.
Começam a aparecer problemas de arquitetura, dado o desalinhamento entre a nova área Digital e a área de TI. Aspectos de integração, segurança da informação, privacidade, infraestrutura e orçamento acabam virando gargalo para o avanço do programa de Transformação Digital.
Paralelismos tecnológicos e de fornecedores, coexistindo para atender projetos da TI responsiva e da Digital, começam a gerar uma ineficiência em custos. A empresa precisa alocar mais capital pela falta de convergência entre as pautas. Capital esse que muitas vezes é levantado a partir de business cases pouco estruturados, que contemplam premissas falhas sobre o real cenário da empresa.
Questões de governança se tornam críticas. Iniciativas paralelas de transformação nascem em diferentes áreas, decisões divergentes impactam o modelo de arquitetura de dados e de infraestrutura em vigor, aspectos de segurança da informação e privacidade se tornam críticos e a empresa começa a sentir que todos estão tentando remar, mas para nortes diferentes.

Nesses casos, é comum vermos projetos que não conseguem ser entregues. Ou são entregues bem distante dos alvos estratégicos iniciais, não conseguindo capturar o valor previsto. A empresa gasta muita energia na tentativa de coordenação interna das agendas digitais e olha pouco para o cliente e para as mudanças na jornada de consumo. Um último ato, visto naqueles casos em que a sequência de problemas foi de grande impacto, é o cancelamento ou adiamento de programas inteiros de transformação, com eventual encerramento de operações ou desmembramento de áreas inteiras.

Para que uma empresa que tenha uma TI responsiva e esteja se familiarizando com esse contexto não chegue a esse fim drástico, trago alguns pensamentos sobre o que pode ser feito para evitar o pior:

Realizar uma análise completa sobre competências e habilidades da liderança atual da TI e avaliar sua manutenção com um programa de aperfeiçoamento ou substituição.
Mesmo distante da cúpula estratégica, trazer a liderança de TI para o grupo de trabalho que irá discutir o tema Transformação Digital desde o dia zero. Feita a análise anterior de perfil, é esperado que essa liderança tenha o que agregar, seja no apontamento dos gargalos atuais, seja na visão de riscos de integração, relacionamento com o legado, dentre outros.
Criação de Comitês Estratégicos de Transformação Digital. São entidades colegiadas que possuem representantes das áreas envolvidas para discussão de princípios de arquitetura, estratégia de sourcing, requisitos de segurança da informação e similares. É importante garantir que esse comitê possua ampla representatividade.
Criação do modelo de Governança Digital da empresa. Definição de regras, normas mínimas de conduta e direitos decisórios. Sejam modelos mais centralizados ou mais federados, o mais importante é que a regra do jogo esteja clara para todos.

Conclusão

Os pontos acima são formas vistas nas empresas para minimizar o risco de ruptura das iniciativas de Transformação Digital no cenário de áreas de TI responsivas. Se feitas de forma estruturada, conseguem equilibrar o jogo de poder e minimizar ameaças de integração tecnológica.

No próximo artigo, traremos uma análise sobre como a Arquitetura Empresarial pode ser uma facilitadora ou dificultadora do processo de transformação nas organizações.

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Fontes

1

Traduzido com adaptação de 2017 CEO Survey: CIOs Must Scale Up Digital Business", Gartner ®, 2017.

É Sócio-Diretor e Líder de Governança de TI e ITSM da Bridge & Co. É mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, auditor ISO 20.000, certificado ITIL Expert e CGEIT, entre outras. É professor de pós-graduação em Estratégia e Governança de TI em instituições como UFRJ, UFJF e FGV. Possui experiência em projetos de grande porte de transformação digital, desenho organizacional de áreas de TI e elaboração de processos orçamentários para Tecnologia da Informação.